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O ninho da sinecura

  • Foto do escritor: tiagompeixotopsi
    tiagompeixotopsi
  • 20 de nov.
  • 3 min de leitura
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Nos últimos tempos venho refletindo sobre os profissionais "medianos" ou "medíocres" em seus diversos contextos.

Apesar de usarmos a palavra "medíocre" de forma pejorativa, ela pode ser utilizada também para qualificar aquilo que está na média. Parece uma palavra pesada, malvada, como um xingamento. Não deixa de ser: chamar alguém de medíocre é uma ofensa moral, na maioria das vezes.

Sobre o desempenho dos profissionais, várias observações podem ser feitas. A maioria resvala sobre sua motivação — que pode ser afetada pelos seus rendimentos, capacidade de eficácia, relações de poder — e formação: está preparado para aquela função? Se não estava, engajou-se em preparar-se? Que aspectos impossibilitaram esta pessoa de desenvolver-se?

Contudo, o fenômeno da mediocridade parece ter uma qualidade diferente. Estamos falando das pessoas que não são "sensacionais", nem "ruins demais". Ou seja, não se destacam, seja para o bem ou para o mal.

Mas se reconhecemos os impactos de profissionais que se destacam positivamente ou negativamente, o que dizer de quem fica nesta média?

Como uma organização ou serviço pode ser impactado por pessoas com esta característica profissional? Isto é uma característica do profissional, da pessoa, da pessoa nesta profissão, da profissão naquela instituição? Será que em outro contexto esta pessoa estaria mais motivada ou engajada? Será que em outro contexto suas habilidades seriam extraordinárias? Será que discutir a qualidade do trabalho necessariamente vai tocar na polêmica questão do mérito? Aquilo que é positivo e importante é sempre reconhecido como tal? Isto inquieta.

Acho interessante como a contextualização influencia na nossa avaliação: se você está em meio a um grupo de pessoas extremamente deficitárias, mesmo você sendo mediano, se trouxer alguma contribuição mínima, mas relevante, pode ser visto como "funcionário de alto desempenho". Por outro lado, naqueles ambientes altamente competitivos, uma pessoa com “altas habilidades” pode parecer (e mesmo sentir-se) incapaz diante de seus pares ou “concorrentes”.

Sempre visualizei o profissional mediano como aquela pessoa que sempre chega e sai no horário, tem na pontualidade o seu grande mérito. Aquela pessoa faz o mínimo do que é requisitado e não faz menção em encontrar soluções. Sabe aquelas pessoas que qualquer processo de “pensar sobre o trabalho” é visto como lero-lero? Aquela pessoa que parece que tem capacidade restrita de aprendizagem. Não por impossibilidade cognitiva, mas talvez uma impossibilidade mais “existencial”.

Esta pessoa pode até ser uma pessoa agradável, mas é sabido que a característica profissional não é o que pensamos quando lembramos dela. Pode até ser aquela pessoa que você convidaria para um happy hour, mas que certamente não pediria uma orientação para um assunto importante. Aquela pessoa cujo trabalho converte-se num "emprego" e cuja estabilidade é o grande objetivo para manutenção de seus objetivos de vida, muitas vezes também medianos: trocar de carro, viajar, comer uma bobagem, ver algum filme de super-herói, daí trocar de carro, viajar com o carro e comer outras bobagens, inclusive aquelas que têm no pacote algum super-herói.

Nada contra os super-heróis. Eles são fantásticos e atraentes justamente porque não são medianos. Se fossem, não haveria quem quisesse acompanhar suas histórias. Ainda mais com o preço que está o balde de pipoca nos cinemas.

Mas voltemos aos medianos. Se você não conhece ninguém parecido, precisa avaliar se você não é esta pessoa!

Deus acuda. O trabalho faz parte da vida. E viver é um trabalho. Ou seja, passamos muito tempo trabalhando para sermos medianos. Ao meu ver, tem algo de contingência e algo de princípios e valores envolvidos – são meus miolos filosóficos suspirando. O que nos impede de sermos melhores envolve só nós mesmos? Também as outras pessoas? Ou nós mesmos mais as outras pessoas e a Babilônia toda?

Abençoados são aqueles que têm o privilégio de exercer uma função que tangencia suas possibilidades e capacidades. Mais "sortudos" aqueles que são reconhecidos por isto!

Que busquemos cada vez mais uma realidade em que as pessoas possam ser "extraordinárias" em suas ocupações e no exercício das suas potencialidades. Busquemos o destino que não as encarcere neste rótulo morno e bege de "profissional mediano" pela eternidade. O (extra)ordinário precisa existir e persistir como um convite à fuga da ordem normal, do regular, do costume que acomoda e não se adequa, e não se adapta, e não acompanha: um convite para quem não quer, não tenta, talvez não possa, mas também não quer poder, não acha que precisa, não pensa que deve.

Se a maioria das pessoas encontra-se, em algum aspecto, na média, para além dos extremos, o fenômeno da “medianidade” ainda precisa ser muito examinado!


Por Tiago Peixoto (original de Julho de 2022)

 
 
 

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