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Evasivas Admiráveis: como psicologia subverte a moralidade - Theodore Dalrymple (resenha)

  • Foto do escritor: tiagompeixotopsi
    tiagompeixotopsi
  • 21 de nov.
  • 3 min de leitura
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Theodore Dalrymple é um dos pseudônimos do psiquiatra inglês Anthony Daniels, utilizado quando este se envolve em produz críticas a cultura a partir da sua expertise nas áreas psi. Nesta obra Dalrymple traz à tona um questionamento sobre as correntes da psicologia poderem ou não oferecer algum direcionamento moral para o sujeito. No limite, volta-se à questão se o conhecimento científico é suficiente para uma vida significativa

e satisfatória. A resposta está no primeiro prefácio: o problema do viver não é respondido com resposta técnica, aparentada às ciências experimentais. Creio que é uma discussão fecunda e não encerrada.

No entanto, ao meu ver, correntes não analisadas pelo autor, como trabalhos produzidos na psicologia de inspiração fenomenológica (pois os limites das ciências naturais são um tópico fundamental para a fenomenologia, assim como o estudo de processos da "consciência"), também compõem a psicologia e poderiam nos conduzir a outro tipo de reflexão. Cito também a psicologia do desenvolvimento moral, visto que existe uma tendência em dicotomizar psicologia em psicanálise versus comportamental, que é empobrecedora, visto que a psicologia no globo vem debruçando-se mais sobre temas específicos, não encerrando-se em referenciais únicos e menos ainda mantendo-se fiel a determinadas meta-teorias geradas no século XX. No senso comum parece que isto permanece. Talvez seja até uma escolha bem pensada do autor apresentar as teorias que geram maior repercussão cultural.

Para ser justo, também menciona as "evasivas admiráveis" vistas no raciocínio do "neurocientismo" dos cientistas neodarwinistas que fecham os últimos capítulos. No tocante à neurociência, o autor relembra seu papel (atribuído a outras vertentes na história) de prover vocabulários e explicações que auxiliam as pessoas a entenderem-se como sujeitos biológicos e com gestão sobre a própria vida apenas em relação àquilo que interessa a elas. Não é uma discussão fácil se pensarmos que responsabilizar as pessoas sobre suas escolhas ruins pode ferir seus sentimentos, coisa que parece não ser tolerável nos dias de hoje (faço referência a outro título do autor chamado Podres de mimados: as consequências do sentimentalismo tóxico).

Ele afirma que a psicologia é uma barreira cultural para o autoconhecimento. Menciona a difusão da autoindulgência das pessoas consigo mesmas ao avaliar de forma incrivelmente compreensiva mesmo ações que podem ser entendidas como más. Se abolimos o que se entende por bem e mal, bom ou mau, não há parâmetro para decisão a não ser a própria consciência individual, que se autoaplica centenas de desculpas esfarrapadas. "Compreender tudo é perdoar tudo; consequentemente, se perdoamos tudo, compreendemos tudo" (p. 43).

Isto é, ninguém será julgado e ninguém deve julgar. A autoestima das pessoas é um princípio inabalável. Se você estima a si mesmo, você está fazendo uma apreciação moral. E se a pessoa que tem baixa autoestima não se sente mal justamente por ter um conceito correto sobre si mesma? Pressupõe-se uma espécie de Eu Verdadeiro, pois, sabendo quem você é, inexoravelmente você vai gostar do que sabe e terá uma boa autoestima, pois não há forma de o seu Eu Verdadeiro ser um coco no final das contas.

Isto encontra repercussão nas penas dos presidiários europeus (neste continente existe a discussão sobre banir pena perpétua), que passam por um processo que, em essência, envolve uma "decantação" de suas potencialidades, uma crença na reabilitação do ser e na redenção (pitadas cristãs estão em todas as nossas principais instituições). O sujeito não tem escolha, a não ser reabilitar-se.

Ao final, o autor diz não ter uma "metafísica moral" (sic), mas antes fala sobre a psicologia desencorajar o "genuíno autoconhecimento". Esta foi uma questão que me fiz. Quais são os parâmetros que ele confere a este autoconhecimento que ele entende que é genuíno, diferente daquele que seria ofertado pela psicologia? Meu pensamento é que encontraríamos pistas naquilo que ele chama de "metafísica moral" própria que ele não teria. O autor, por exemplo, sugere o papel da literatura em fornecer autoconhecimento (o livro é repleto de passagens de Shakespeare e outros autores).

Neste sentido, retorno a discussões que existem na própria psicologia, mas que talvez sejam menos populares, como a função da imaginação para o desenvolvimento moral, pois talvez sejam menos "técnicas" e objeto de pesquisa experimental (mais próximas de uma psicologia filosófica do que científica), e a psicologia que todos buscam absorver parece envolver algum tipo de resposta para os problemas cotidianos (voltamos aos livros de autoajuda que ele cita no início do livro, como tendo relação direta com o narcisismo e insatisfação humanas). É um livro bem no formato dos outros ensaios de Dalrymple, incisivo e cheio de argumentos que podem gerar certa meditação.


Tiago Peixoto (original de janeiro de 2022)


Referência:

Dalrymple, T. (2017). Evasivas admiráveis: Como a psicologia subverte a moralidade. É Realizações.

 
 
 

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